Avaliação médica é mais eficaz do que análise por inteligência artificial, aponta pesquisa

A primeira impressão é crucial. O ditado que reflete a habilidade humana de fazer julgamentos rápidos também se aplica ao ambiente das salas de emergência em hospitais, conforme indica uma pesquisa realizada com 725 adultos atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). O estudo, financiado pela Fapesp e publicado no BMJ Supportive & Palliative Care, revelou que a avaliação do médico emergencista sobre a probabilidade de recuperação do paciente se mostrou mais precisa em comparação a um escore preditivo elaborado por meio de um modelo de inteligência artificial (IA), alcançando uma taxa de acerto de 79,2%.

“Em um contexto dominado por modelos preditivos de IA, esta pesquisa tentou avaliar o valor da observação médica e a relevância da primeira impressão desse profissional em relação ao paciente. Sou um defensor da inteligência artificial, mas os achados ressaltam um aspecto que contraria tendências atuais: a percepção do médico é de extrema importância”, declara Júlio César Garcia de Alencar, docente da Faculdade de Medicina de Bauru (FMBRU-USP) e um dos coautores do estudo. A pesquisa consistiu em questionar médicos de emergência se ficariam surpresos caso o paciente atendido falecesse dentro de um ano. Após esse levantamento inicial, a equipe de pesquisadores monitorou os 725 pacientes durante a internação para verificar se os resultados estavam alinhados com as expectativas dos profissionais, todos considerados casos graves.

“O que se torna interessante é que o médico possuía poucas informações sobre a saúde prévia do paciente, contando apenas com o relato do enfermeiro que fez a triagem, que incluía a queixa principal e a classificação de risco de acordo com o protocolo de Manchester. Este último utiliza pulseiras de diferentes cores para indicar a urgência do atendimento: vermelho para risco de morte, laranja para casos urgentes, amarelo para risco não imediato, verde para casos menos graves e azul para situações sem urgência. Assim, foi a percepção do médico, suas experiências passadas e seu conhecimento que realmente influenciaram sua avaliação”, esclarece Alencar.

O estudo ainda comparou os resultados obtidos pela avaliação médica com um escore clínico preditivo que poderia ser empregado em inteligência artificial. “Confrontamos a opinião dos profissionais com o The Quick Sequential Organ Failure Assessment [qSOFA], um escore que é validado desde 2016 e tem se tornado cada vez mais utilizado na medicina devido ao número reduzido de variáveis clínicas consideradas, como a frequência respiratória, a pressão arterial e o nível de consciência”, explica.

Além de investigar a dinâmica entre humanos e máquinas, o trabalho traz implicações interessantes que podem ser aplicadas nas salas de emergência dos hospitais. Isso porque essa é a primeira pesquisa a adotar a “pergunta surpresa” — “você ficaria surpreso se o paciente atendido falecesse em um ano?” — dentro do contexto do departamento de emergência. Esse tipo de pergunta é reconhecida como uma ferramenta de triagem que pode identificar pacientes que necessitam de acompanhamento por equipes de cuidados paliativos, uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida de pacientes e suas famílias em situações de doenças terminais, aliviando o sofrimento e tratando a dor.

Estudos anteriores já haviam validado a eficácia da pergunta surpresa em determinados grupos, como aqueles em tratamento de hemodiálise ou com Alzheimer. Na pesquisa realizada na sala de emergência do Hospital das Clínicas, 20% dos médicos afirmaram que não se surpreenderiam se os pacientes admitidos falecessem em um ano. “Isso indica que existe algum critério sendo considerado em relação à terminalidade, o que sugere a necessidade de, futuramente, adaptar as práticas do Departamento de Emergência ao prognóstico dos pacientes. Seria prudente introduzir a possibilidade de cuidados paliativos desde a sala de emergência, para oferecer suporte tanto ao paciente quanto à sua família”, observa Alencar à agência Fapesp. Contudo, ele enfatizou que mais pesquisas são necessárias antes de implementar qualquer intervenção nesse sentido. “Estamos na fase dois do nosso projeto. O próximo passo será explorar a viabilidade de um plano de intervenções focadas em cuidados paliativos para esses pacientes”, adianta.

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